Com certa frequência, os noticiários nos dizem que haverá um eclipse da lua em tal data, e dizem também hora e minuto de seu começo e seu fim. Em nossa era, em decorrência dos avançados estudos sobre astronomia, dispor dessas informações pode surpreender a bem poucas pessoas. O começo de tudo, em se tratando da antiga Babilônia, não foi assim tão fascinante.
Referente àquele antigo império, desde cerca de quatro mil anos atrás, o começo inicialmente consistia em registrar por escrito a ocorrência de um eclipse e citar o ano do rei de então. À medida que os registros abundavam, os astrônomos babilônios começaram a perceber que alguns eclipses com características parecidas ocorrem a intervalos regulares, isto é, a cada 6.585,3211 dias (expresso de outra forma, a intervalos de 18 anos, 10, 11 ou 12 dias, a depender do número de anos bissextos no intervalo, e 8 horas). Posteriormente, esse intervalo de cerca de 18 anos passou a ser chamado de Saros, ou ciclo de Saros.
Os dados acima podem ser testados com eclipses de nosso tempo, tanto para previsão de eclipses como para determinar a data de eclipses passados. Por exemplo, referente a 2023, sabe-se que ocorreu um eclipse lunar em 5 de maio de 2023. Somando-se 6.585 dias a essa data, chega-se a 15 de maio de 2041(Como o eclipse de 2023 ocorre nas últimas horas do dia 5 de maio, o eclipse de 2041 ocorrerá nas primeiras horas do dia 16 de maio; esse é o ajuste das 8 horas, ou 0,32 dias). Com referência a esse mesmo eclipse de 5 de maio de 2023, pode-se calcular que 18 anos antes, por volta dos dias 23 a 25 de abril de 2005, ocorreu um eclipse lunar da mesma família do eclipse de 2023. Os cálculos deste parágrafo podem ser checados aqui e aqui.
Há vários artigos na internet sobre esse assunto, onde o leitor pode conhecer o tema com mais detalhes. Por aqui cito dois vídeos do Youtube, que abordam o assunto com alguma profundidade:
Canal AstroNEOS - Entendendo o ciclo de Saros.
Canal Olho de Rapina - Eclipses, Rahu e Ketu, Ciclo Draconiano e Ciclo de Saros
Os ciclos de Saros não são precisos, não permitem calcular indefinidamente quer para o passado, quer para o futuro, e atualmente, dado a existência de fórmulas precisas à disposição dos astrônomos, este método sequer é usado. No entanto, na época dos babilônios e período persa, era muito útil e os cálculos mantinham uma boa precisão mesmo quando abrangiam centenas de anos.
Aqui vale lembrar que os astrônomos babilônios datavam eclipses citando o ano do rei que então administrava o império. Dado a existência desses documentos antigos, e visto que atualmente dispomos de precisas tabelas de eclipses para milhares de anos no passado, é possível saber o ano de um rei sempre que o eclipse citado pelos astrônomos babilônios é identificado nas modernas tabelas de eclipses. Com base nisso, a data de 587 a.C. para a destruição de Jerusalém tem sido confirmada mediante várias fontes babilônicas. No entanto, a Torre de Vigia frequentemente tem usado a capacidade de cálculos desenvolvida pelos babilônios para contestar as fontes que destroem sua cronologia para a data de 607 a.C. Resumidamente, ela afirma que registros de eclipses que associam determinado eclipse ao ano de determinado rei ou acontecimento pode ser, em verdade, um eclipse calculado, talvez uma ou duas centenas de anos depois dos supostos acontecimentos narrados. O rei associado ao eclipse, segundo ela, pode ser o entendimento que se tinha na época do registro. A Torre de Vigia usou esse argumento na obra Estudo Perspicaz das Escrituras, lançado no começo dos anos 90, e voltou a repeti-lo no em 2011, em seu mais recente artigo sobre cronologia.
Porém, segundo Carl Olof Jonsson, os babilônios eram incapazes de calcular eclipses com precisão de menos de meia hora, e há vários registros de eclipses com essa precisão. Além disso, a descrição de detalhes do eclipse, quando disponíveis, é um elemento adicional a confirmar que determinado eclipse foi mesmo testemunhado, não meramente calculado (Veja o livro Os Tempos dos Gentios .Reconsiderados, páginas 217-219).
Dado o peso da evidência que eclipses apresentam a favor da data de 587 a.C., a Torre de Vigia também sentiu-se compelida a forjar dúvidas sobre se os astrônomos modernos realmente possuem capacidade para interpretar corretamente os registros de eclipses da antiguidade. Em um artigo de 1969, a organização religiosa aponta para o fato de que as marés, ao longo das eras, têm causado um efeito de frenagem na rotação do planeta Terra e isso, segundo ela, faria os cálculos modernos dizer que um eclipse ocorreu em determinada região quando, na verdade, ele teria ocorrido em outra região com distância de centenas de quilômetros.
O caso apontado pela Torre de Vigia, no entanto, está longe de ser um obstáculo intransponível para a astronomia moderna; se é verdade que a rotação do planeta Terra tem desacelerado ao longo dos milênios, é também verdade que os físicos têm sido capazes de identificar e precisar essa e outras variáveis e usá-las para calibrar as fórmulas de cálculos de eclipses. A Torre de Vigia não voltou a repetir esse argumento em seus mais recentes artigos sobre cronologia; em vez disso, ela própria passou a fazer uso de modernos cálculos de eclipses, o que me leva a crer que não mais considera que isso é uma limitação para os astrônomos.
Acessórios de pesquisa
Devido à complexidade do tema em análise, pouco se poderia avançar na discussão sem a ajuda de softwares de astronomia, e em se tratando de um amador, como é o meu caso, apresenta-se em xeque a capacidade de ler corretamente os dados dos softwares mais simples. Além disso, bons softwares sobre o tema costumam requerer uma licença, mas usarei neste estudo apenas softwares gratuitos.
Feito essas ressalvas, nota-se que “pesquisadores” consultados pela Torre de Vigia usaram dois programas, que são nomeados como TheSky6 e Sky Charts (Cartes du Ciel); Carl Olof Jonsson confessa que faz uso do programa SkyMap pro 11. Desses três, apenas o segundo é gratuito e será consultado por mim; também, farei bastante uso do software Stellarium, que possui linguagem em português e é bem popular entre astrônomos amadores. Em complemento deste tema, veja o artigo Coordenadas geográficas e fuso horário de Babilônia.
Para o assunto em análise, esses programas seriam inúteis sem um conversor de datas para o calendário babilônico e um bom catálogo de eclipses. Em razão de que o calendário babilônico fora há muito abandonado, é graças ao trabalho de Parker and Dubberstein, publicado em 1971, com título Babylonian Chronology 626 BC - 75 AD, que podemos avançar alguns passos nesta complexa empreitada. Embora eu eventualmente possa consultar diretamente o livro, farei frequente uso do conversor online, mais facilmente manipulável, que tem por base o livro citado. Em seu livro, Carl Olof Jonsson recorre umas duas dezenas de vezes ao catálogo de eclipse com título Canon of Lunar Eclipses 1500 B.C.-A.D. 3000, cujos autores são Bao-Lin Liu e Alan D. Fiala. Não sei se à época da escrita ele tinha acesso ao catálogo da Nasa, ou se cita exclusivamente esse catálogo por alguma preferência em particular ou alguma qualidade superior. Em quaisquer dos casos, usarei unicamente o catálogo de eclipse da Nasa porque é o único que tenho acesso, mas asseguro aos leitores que se trata de um catálogo que atende perfeitamente às necessidades desse estudo.
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