No final da década de 60, o então presidente da Torre de Vigia Nathan Knorr decidiu fazer uma enciclopédia bíblica que veio a se chamar Aid to Bible Understanding (Ajuda ao Entendimento da Bíblia, em português). Foi por volta dessa época que Raymond Franz foi escolhido para o cargo de membro do Corpo Governante e, pouco depois disso, encarregado de escrever boa parte dos verbetes para a obra.
Sobre o verbete Cronologia, ele escreveu o seguinte em seu livro Crise de Consciência:
Quando o tópico “Cronologia” me foi designado, isto levou similarmente a sérias questões. Um ensino básico das Testemunhas de Jeová é que a profecia bíblica havia apontado para o ano de 1914 como o fim dos “Tempos dos Gentios” de Lucas 21:24, e que, nesse ano, Cristo Jesus assumiu efetivamente o poder de seu reino e começou a reger de modo invisível aos olhos humanos. No capítulo 4 de Daniel, as referências a um período de “sete tempos” constituíam a base para os cálculos que levavam a essa data e, pelo uso de outros textos, estes “sete tempos” foram convertidos num período de 2.520 anos, que começava em 607 A.E.C. e terminava em 1914 E.C. A data inicial, 607 A.E.C., era considerada como sendo a data da destruição de Jerusalém pelo conquistador babilônico Nabucodonosor. Eu sabia que a data de 607 A.E.C. parecia ser peculiar às nossas publicações, mas não sabia realmente por quê.
Foram gastos meses de pesquisa neste único tópico de “Cronologia”, resultando no artigo mais longo da publicação Ajuda .A maior parte do tempo foi gasta no empenho de encontrar-se alguma prova, algum apoio na história para a data de 607 A.E.C., tão decisiva em nossos cálculos para se chegar a 1914. Charles Ploeger, um membro do pessoal da sede, que estava nessa época a meu serviço como secretário, procurou pelas bibliotecas na área da cidade de Nova York qualquer coisa que pudesse comprovar essa data historicamente.
Não encontramos absolutamente nada em apoio a 607 A.E.C. Todos os historiadores apontavam para uma data vinte anos mais tarde. Antes de preparar a matéria do Ajuda sobre “Arqueologia”, não tinha me dado conta de que o número de tabuinhas de argila cozida, encontradas na região mesopotâmica e que remontavam ao tempo da antiga Babilônia se somavam às dezenas de milhares. Em todas elas, não havia nada que indicasse que o período do Império Neobabilônico (em cujo período se situava o reinado de Nabucodonosor) tivesse a duração necessária para ajustar-se à nossa data de 607 A.E.C. para a destruição de Jerusalém. Tudo apontava para um período vinte anos menor que o sustentado por nossa cronologia publicada. Embora achasse isto perturbador, eu queria acreditar que nossa cronologia estava certa, apesar de toda a evidência contrária. Desse modo, ao preparar a matéria do livro Ajuda, a maior parte do tempo e do espaço foi usada na tentativa de enfraquecer a credibilidade da evidência arqueológica e histórica que tornava errônea nossa data de 607 A.E.C., propiciando um ponto de partida diferente para nossos cálculos e, conseqüentemente, uma data final diferente de 1914.
Charles Ploeger e eu viajamos até a Universidade Brown, em Providence, Rhode Island, a fim de entrevistar o professor Abraham Sachs, especialista em antigos textos cuneiformes. Queríamos ver se poderíamos obter qualquer informação que indicasse alguma falha ou qualquer tipo de defeito nos dados astronômicos apresentados na maioria dos textos, dados que indicavam nossa data de 607 A.E.C. como sendo incorreta. No final, ficou evidente que teria sido necessária uma virtual conspiração por parte dos antigos escribas — sem nenhum motivo concebível — para agirem dessa forma, deturpando os fatos, se é que, realmente, nosso cálculo havia de estar correto. Mais uma vez, como um advogado confrontado com uma prova que não pode derrubar, meu trabalho era depreciar ou enfraquecer a confiança nos testemunhos dos tempos antigos que apresentavam tal prova, a evidência dos textos históricos relacionados com o Império Neobabilônico. Os argumentos apresentados por mim eram honestos, mas eu sei que o objetivo era defender uma data para a qual não existe apoio histórico (Crise de Consciência, páginas 32,33).
O verbete Cronologia em inglês pode ser lido aqui.
Carl Olof Jonsson, o autor do livro Os Tempos dos Gentios Reconsiderados, entrou em contato com a sede mundial em meados da década de 70, alguns anos antes de publicar seu livro. Ele enviou à sede as fragilidades da data de 607 a.C., e Franz conta suas impressões sobre o material.
Aí, em 1977, uma Testemunha de Jeová da Suécia, chamada Carl Olof Jonsson, enviou à sede em Brooklyn uma quantidade substancial de pesquisa que fizera sobre cronologia relacionada com a Bíblia e sobre especulação cronológica. Jonsson era ancião e estivera ativamente associado com as Testemunhas de Jeová por uns vinte anos.
Tendo eu mesmo experiência com pesquisa sobre cronologia, fiquei impressionado com a profundidade com que ele havia examinado a matéria, bem como pela inteireza e veracidade de sua apresentação. Basicamente, ele procurou chamar a atenção do Corpo Governante para a fragilidade nos cálculos cronológicos da Sociedade que levam à data de 1914 como o ponto final dos “tempos dos gentios”,mencionados por Jesus em Lucas, capítulo 21, versículo 24 (chamados de “os tempos designados das nações” na Tradução do Novo Mundo).
Explicado de forma resumida, chega-se à data de 1914 pelo seguinte processo:
No quarto capítulo da profecia de Daniel, ocorre a expressão “sete tempos”, aplicada aí ao rei babilônico Nabucodonosor enquanto descreve um período de sete anos de loucura pelo qual o rei passaria. A Sociedade ensina que esses “sete tempos” profetizam algo maior, a saber, o período de tempo que se estende desde a destruição de Jerusalém (fixada pela Sociedade como 607 A.E.C.) até o fim dos “tempos dos gentios”, explicados como significando o período durante o qual as nações gentias exercem domínio “ininterrupto” sobre a terra.
Os “sete tempos” são interpretados como significando sete anos, com cada ano se constituindo de 360 dias. Sete multiplicado por 360 dá 2.520 dias. Entretanto, faz-se referência a outras profecias que usam 2 Daniel 4:17, 23-33. Predições e Presunção 179 a expressão “um dia por um ano.”3 Empregando-se esta fórmula, os 2.520 dias se transformam em 2.520 anos, que vão de 607 A.E.C. ao ano de 1914 E.C.
Conforme observado anteriormente, os ensinos atuais da Sociedade sobre o início da regência do reino de Cristo, os “últimos dias”, o começo da ressurreição e coisas relacionadas estão todos ligados a este cálculo. Poucas Testemunhas são capazes de explicar a complicada aplicação e combinação de textos envolvidos. Todos, porém, aceitam o produto final deste processo e cálculo (Crise de Consciência, páginas 178, 179).
Posteriormente, depois de deixar a sede mundial e ser mais tarde desassociado, Raymond Franz e Jonsson trocaram correspondências. Na carta abaixo, Franz resume a Jonsson a sua própria experiência na pesquisa sobre a data de 607 aC.
Ao desenvolver o verbete ‘Cronologia’ para Ajuda ao Entendimento da Bíblia, o período neobabilônico, que se estende desde o reinado de Nabopolassar, pai de Nabucodonosor, até o reinado de Nabonido e a queda de Babilônia, apresentou um problema particular. Como Testemunhas de Jeová, estávamos obviamente interessados em encontrar e apresentar alguma evidência, por menor que fosse, em apoio do ano 607 A.E.C. como sendo a data para a destruição de Jerusalém no décimo oitavo ano de Nabucodonosor. Eu estava bem ciente do fato de os historiadores invariavelmente indicarem uma data vinte anos depois, situando o início do reinado de Nabucodonosor em 605 A.E.C. (seu ano de ascensão), em vez de 625 A.E.C., a data usada nas publicações da Torre de Vigia. Eu sabia que a data 607 A.E.C. era crucial para a interpretação da Sociedade a respeito dos ‘sete tempos’ de Daniel capítulo quatro apontarem para o ano 1914 E.C.
Esse esforço exigiu uma grande quantidade de pesquisa. Na época (1968), Charles Ploeger, um membro do pessoal da sede da Torre de Vigia, foi designado como meu assistente. Ele passou muitas semanas procurando nas bibliotecas da cidade de Nova Iorque por quaisquer fontes de informação que pudessem dar alguma validade à data 607 A.E.C. como o momento da destruição de Jerusalém. Fomos também à Universidade Brown entrevistar o Dr. A. J. Sachs, um especialista em textos astronômicos relacionados com os períodos neobabilônico e adjacentes. Nenhum destes esforços produziu qualquer evidência em apoio da data 607 A.E.C.
Devido a isto, quando escrevi o artigo sobre ‘Cronologia’ dediquei uma parte considerável da matéria a esforços para mostrar as incertezas existentes nas fontes históricas antigas, incluindo não só fontes babilônicas, como também egípcias, assírias e medo-persas. Embora eu ainda acredite que alguns dos pontos apresentados quanto a tais incertezas sejam válidos, sei que a argumentação surgiu de um desejo de manter uma data para a qual simplesmente não há evidência histórica. Se a evidência histórica contradissesse realmente alguma declaração clara da Bíblia, eu não hesitaria em considerar o relato bíblico como mais confiável. Mas apercebi-me de que a questão não é uma contradição de uma declaração clara das Escrituras, mas sim contradição de uma interpretação que é atribuída a certas partes das Escrituras, dando-lhes um significado que não está na própria Bíblia. As incertezas que se encontram em tais interpretações humanas são certamente iguais às incertezas que se encontram nos relatos cronológicos da história antiga (Os Tempos dos Gentios Reconsiderados, página 24).
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