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Os "setenta anos" de Zacarias

Além das passagens de Daniel e Crônicas, a Torre de Vigia recorre a duas declarações de Zacarias como evidência de que Jerusalém ficou desabitada, ou devastada por exatos 70 anos, e não 48, como aponta a história secular. 

As declarações constam em Zacarias 1 e Zacarias 7. Analisemo-las.

Zacarias 1:12

(Zacarias 1:7,12) No vigésimo quarto dia do décimo primeiro mês, que é o mês de sebate, no segundo ano de Dario, veio a haver a palavra de Jeová para Zacarias… 12 De modo que respondeu o anjo de Jeová e disse: “Ó Jeová dos exércitos, até quando não terás misericórdia com Jerusalém e com as cidades de Judá, que verberaste por estes setenta anos? (TNM, edição de 1986).

Zacarias recebe a mensagem divina em Jerusalém “no segundo ano de Dario”, cerca de 20 anos após a queda de Babilônia, conforme pode ser visto na imagem abaixo. 



Ciro autorizou a volta dos judeus para Jerusalém logo que assumiu o domínio da Babilônia. Uma das principais comissões dos judeus que retornavam era reconstruir o templo de Jerusalém, que fora deixado em ruínas pelo ataque de Nabucodonosor à cidade em 587 a.C. O estado arruinado do templo era representativo da reprovação de Jeová referente ao comportamento rebelde de seu povo. O cativeiro em Babilônia e as ruínas do templo era uma lembrança vexatória, que persistia desde aquele trágico acontecimento, e a reconstrução do templo deveria apagar essa lembrança, devia servir como sinal de que Jeová havia perdoado seu povo. 

Infelizmente o retorno dos judeus a Jerusalém logo após serem libertos do cativeiro não resultou na imediata reconstrução do templo. O povo que acabara de retornar passou a enfrentar forte oposição dos povos locais e isso ocasionou a paralisação do trabalho de reconstrução - uma inércia que permaneceu até por volta de 520 a.C., quando Jeová passou a dar incentivos por meio dos profetas Ageu e Zacarias. Foi nesse contexto que Zacarias registrou as palavras do anjo, conforme transcritas acima. 

Nessas palavras, o anjo questiona a Jeová sobre “até quando” ele negará sua misericórdia ao povo, a respeito de quem se diz que Ele tem verberado (ou ficado indignado) por “estes setenta anos”.  A Torre de Vigia argumenta que os “setenta anos”  de Zacarias são uma referência aos mesmos “setenta anos” de Jeremias, que, segundo sua interpretação, decorreu da queda de Jerusalém até a queda de Babilônia. (Veja uma extensa defesa desse conceito no livro O Paraíso Restabelecido pela Teocracia, de 1974, página 130, a começar pelo parágrafo 19). 

No entanto, a expressão “até quando” sugere que a indignação de Jeová persistia até a data em que aquelas palavras foram proferidas, “no segundo ano de Dario”, por volta de 520 a.C.  O templo em ruínas, ali a sinalizar a rebelião do povo, pode justificar porque a misericórdia divina já se retardava por cerca de 20 anos. Considerando isso como uma possibilidade, isto é, que a indignação de Jeová realmente persistia até aquela data, e tomando como verdadeiro o entendimento da Torre de Vigia de que Jerusalém fora destruída na data de 607 a.C., então teria-se o caso de uma indignação que durava, não 70, mas cerca de 90 anos: os 70 que terminara com a queda de Babilônia e 20 adicionais.

O pronome demonstrativo “estes” da expressão “estes setenta anos” parece ser um elemento adicional a indicar que os “setenta anos” de Zacarias era um período de tempo que terminava naquele ano, “no segundo ano de Dario”. Sobre isso, Jonsson escreveu o seguinte:

Também de um ponto de vista gramatical é difícil defender a ideia de que os setenta anos aqui se referem a um período que tinha terminado muitos anos antes. O pronome demonstrativo “estes” (zeh, em hebraico) denota algo próximo, no tempo ou no espaço. Comentando a expressão “estes setenta anos” em Zac. 1:12, o hebraísta sueco Dr. Seth Erlandsson explica: “Literalmente o texto diz 'estes 70 anos', da mesma forma que em 7:5, o que equivale a ‘agora por 70 anos’” (Carta de Erlandsson a Carl Olof Jonsson, datada de 23 de dezembro de 1990.) Evidentemente é por esta razão que o Professor Hinckley G. Mitchell traduz a frase como “setenta anos de agora” em ambos os textos (Os Tempos dos Gentios Reconsiderados, página 266, nota 42).

Estranhamente, a nova versão da Tradução do Novo Mundo reformulou a expressão, e agora trás um “esses” onde antes se lia “estes”.

(Zacarias 1:12) Em vista disso, o anjo de Jeová disse: “Ó Jeová dos exércitos, até quando negarás tua misericórdia a Jerusalém e às cidades de Judá, com as quais ficaste indignado por esses setenta anos? (TNM, edição de 2015).

Independente do motivo que levou os tradutores a optarem por um “esses” em Zacarias 1:12, o uso desse pronome agora remete o fim dos “setenta anos” para um tempo distante, tornando mais fácil aceitar que ele realmente terminou 20 anos antes, o que passa a estar de acordo com a interpretação da Torre de Vigia. 

Contrário à argumentação da organização religiosa, o conceito de que os “setenta anos” de Zacaria 1:12  é um período de tempo que termina por volta de 520 a.C. tem forte suporte na data dos historiadores para a destruição de Jerusalém. Como visto anteriormente, os historiadores têm 587 a.C. como data da destruição da capital judaica. Isso permite ter um espaço de tempo de 67 anos até por volta de 520 a.C. Se a contagem começar com o sítio à cidade, que antecedeu à sua queda em dois anos, conforme 2 Reis 25:1, então pode-se contar 69 anos de intervalo. Acrescente-se que, conforme relata Carl Olof Jonsson, o segundo ano de Dario estende-se até os primeiros meses de 519 a.C., visto que, conforme Zacarias 1:12, as palavras do anjo foram proferidas no "décimo primeiro mês” do calendário judaico, cujo ano ia de primavera a primavera do Hemisfério Norte. Tem-se assim um período de tempo de aproximadamente “setenta anos”. 

Posto isso, além de os “setenta anos” de Zacarias 1:12 não mostrar evidência de que corresponde aos “setenta anos” de Jeremias, eles ainda apontam para  587 a.C. como data da destruição de Jerusalém - exatos 20 anos depois da data da Torre de Vigia.

Zacarias 7:5.

(Zacarias 7:1-5) E, no quarto ano do rei Dario, Zacarias recebeu a palavra de Jeová, no dia quatro do nono mês, isto é, o mês de quisleu.  O povo de Betel enviou Sarezer e Regem-Meleque com seus homens, para suplicar o favor de Jeová  dizendo aos sacerdotes da casa de Jeová dos exércitos e aos profetas: “Devo chorar no quinto mês e jejuar, como tenho feito por tantos anos?”  Recebi novamente a palavra de Jeová dos exércitos: 5 “Diga a todo o povo desta terra e aos sacerdotes: ‘Quando vocês jejuavam e lamentavam no quinto e no sétimo mês, durante 70 anos, era realmente para mim que jejuavam?

O quarto ano de Dario decorre da primavera de 518 a.C. à primavera de 517 a.C., conforme as estações do Hemisfério Norte.  Foi nesse ano, quando o trabalho de reconstrução do templo já estava em pleno andamento, que se enviou emissários aos sacerdotes de Jerusalém para indagar se deveriam continuar os jejuns que se fazia, segundo palavras do anjo, “durante 70 anos”. A resposta do anjo menciona jejuns “no quinto e no sétimo mês”. E que motivos tinham eles para jejuar nessas datas específicas? Uma consulta à Bíblia revela que, por ocasião da queda de Jerusalém às mãos de Nabucodonosor, houve dois eventos marcantes no quinto e no sétimo mês daquele trágico ano:


(Jeremias 52:12,13) No quinto mês, no dia dez do mês — era o décimo nono ano de Nabucodonosor, rei de Babilônia —, Nebuzaradã, chefe da guarda e servo do rei de Babilônia, entrou em Jerusalém. Ele queimou a casa de Jeová, a casa do rei e todas as casas de Jerusalém; também queimou todas as casas grandes.

(Jeremias 41:1, 2) No sétimo mês, Ismael… foi junto com mais dez homens até Gedalias, filho de Aicão, em Mispá. Enquanto tomavam juntos uma refeição em Mispá, Ismael, filho de Netanias, e os dez homens que estavam com ele, levantaram-se e mataram Gedalias… E assim ele matou aquele a quem o rei de Babilônia havia designado sobre o país.

O sentido da queda de Jerusalém era mais do que suficiente para levar os judeus a jejuarem, como uma forma de profundo lamento. Como os sobreviventes da família real foram levados para Babilônia, um homem da terra, de nome Gedalias, foi nomeado governador - e assassinado no “sétimo mês”. Talvez por ter ganhado a estima do povo aos seus cuidados, a morte de Gedalias levou os judeus a adotarem um segundo jejum, agora em sua homenagem. Que esses eventos estão realmente relacionados com o ano da destruição de Jerusalém, é reconhecido pela própria Torre de Vigia, conforme pode se lido em um livro da década de 70:

Observava-se evidentemente no décimo dia [do quinto mês] a fim de comemorar que naquele dia Nebuzaradã, chefe da guarda pessoal de Nabucodonosor, depois de dois dias de inspeção, havia queimado a cidade de Jerusalém e seu templo. (Jeremias 52:12, 13; 2 Reis 25:8, 9) … Aqueles betelitas celebravam também mais três outros dias de jejum. Um destes no terceiro dia do sétimo mês lunar (tisri), para comemorar o assassinato do Governador Gedalias,... a quem Nabucodonosor constituíra em governador do país, para os judeus pobres que se permitiu que permanecessem depois da destruição de Jerusalém (O Paraíso Restabelecido pela Teocracia, páginas 235, 236).

Com esse pano de fundo, agora precisamos nos deter no objetivo de se ter enviado emissários aos sacerdotes em Jerusalém. E o objetivo diz respeito ao jejum, como pode ser lido abaixo: 

“Devo chorar no quinto mês e jejuar, como tenho feito por tantos anos?”

“Como tenho feito” é uma indicação de que eles jejuavam até aquela data, “no quarto ano de Dario”. E as palavras do anjo indicam que fizeram isso “durante 70 anos”. Ora, se eles jejuavam em razão dos trágicos eventos relacionados com a destruição de Jerusalém, e faziam isso por 70 anos, então não é possível que considerem uma destruição de Jerusalém em 607 a.C, como requer a Torre de Vigia, porque, como no caso anterior, isso resultaria numa soma de 90 anos, os 70 anos de Jeremias, da destruição de Jerusalém à queda de Babilônia, e uns 20 anos adicionais. Por outro lado, se se considerar o início dos jejuns na data de 587 a.C., tem-se um intervalo de exatos 70 anos até o quarto ano de Dario, que decorre de 518 a.C. a 517 a.C. 

Dessa forma, como na análise das palavras de Zacarias 1:12, as declarações de Zacarias 7:5 também apontam para a data de 587 a.C. como ano da destruição de Jerusalém. 

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