As inscrições reais são tábuas de argila com textos babilônicos, escritos na época dos acontecimentos, e que foram encontradas em escavações arqueológicas. Por serem documentos contemporâneos, elas têm um peso enorme na datação do período neobabilônico.
Nabon. nº 18.
Para arranjar os 20 anos que faltam à sua cronologia, a Torre de Vigia alega que alguns reis do período neobabilônico podem ter reinado mais do que agora se sabe. No que tange a Nabonido, duas inscrições mencionam um mesmo evento e permite concluir que Nabonido reinou por 17 anos, e não mais que isso
Uma inscrição, chamada Crônica Real, afirma que Nabonido dedicou sua filha para ser sacerdotisa no templo do deus Sin e diz que isso aconteceu no segundo ano do reinado; uma segunda inscrição (Nabon. Nº 18) confirma a dedicação e acrescenta que foi motivada por um eclipse lunar no dia 13 de Ululu, que foi interpretado como um sinal divino. Quando as características do eclipse citado permite identificá-lo em modernos catálogos de eclipses, fica-se a saber em que ano ele ocorreu e, consequentemente, descobre-se que esse foi o segundo ano do reinado de Nabonido.
Uma tradução da referência ao eclipse consta abaixo. O texto original em inglês pode ser lido aqui.
“Por causa do desejo por uma sacerdotisa entu, no dia 13 do mês de ululu, o mês (cujo nome sumeriano significa) ‘trabalho das deusas’, a lua foi eclipsada e se pôs enquanto estava eclipsada. Sin pediu uma sacerdotisa entu. Assim (foi) seu sinal e sua decisão.”
O mês de Ululu é o sexto mês do calendário babilônico, que corresponde ao mês de elul do calendário judaico. Comumente abrange parte de agosto e parte de setembro. Segundo Jonsson, eventualmente abrange parte de setembro e parte de outubro. No artigo anterior, com base numa crônica babilônica que relaciona o sexto ano de Nabonido com a conquista da Média às mãos de Ciro, verificamos que o reinado de Nabonido não pode ser recuado para além de 564 a.C.
De posse dessas informações, com a ajuda de um catálogo de eclipses e de um conversor de datas para o calendário babilônico, é possível descobrir se houve um eclipse com as características indicadas e que tenha ocorrido pelo período que pode ter durado o reinado de Nabonido, isto é, de 564 a 539 a.C., e cuja data seja o dia 13 de Ululu.
Na minha pesquisa, levei em conta que o fuso horário de Babilônia está três horas adiantado em relação à hora de Londres (UTC+3) e que suas coordenadas geográficas são:
Latitude: 32°32'N
Longitude: 44°25'L
Depois de executar alguns filtros, o catálogo exibe uma lista de 28 eclipses para o período indicado. Desses, apenas dois ocorreram na madrugada e o final não foi visível em Babilônia, como indicam as horas em cinza. Um terceiro eclipse ocorreu no ano astronômico de -564, mas já corresponde ao ano histórico de 565 a.C. O eclipse de -549 pode ser descartado porque ocorreu no mês de janeiro, ao passo que os meses de nossa busca estão limitados a agosto, setembro e outubro. Com isso, resta o eclipse de -553, datado de 26 de setembro; ele começa às 2:54 e termina às 6:00, alguns minutos após o nascer do Sol. Com a ajuda do software Stellarium, verifiquei que ocorreu mesmo um eclipse naquela data, e o conversor de datas mostra que o dia 26 de setembro corresponde ao dia 13 de Ululu.
Com isso, essas duas inscrições tornam evidente que o segundo ano do reinado de Nabonido decorreu de março/abril de 554 a.C. a março/abril de 553 a.C., sendo que em setembro de 554 a.C. ocorreu o eclipse citado pela inscrição Nabon. nº18. Isso também permite concluir que o primeiro ano de Nabonido foi 555/54 a.C., que garante mais uma vez que ele governou apenas 17 anos, como averiguado em documentos no artigo anterior.
Nabon. nº 8.
Como a Torre de Vigia coloca a destruição de Jerusalém em 607 a.C., uma data que deve coincidir com o 18º de Nabucodonosor, isso faz com que o primeiro ano do rei babilônico, cuja data dos historiadores é 604 a.C., seja recuado em 20 anos, para 624 a.C., e, consequentemente, o primeiro ano do reinado de seu antecessor também é recuado em 20 anos, de 625 para 645 a.C.
A esse respeito, a inscrição real Nabon. nº 8 dá um duro golpe na cronologia da religião. Segundo Carl Olof Jonsson, a evidência textual permite concluir que ela foi escrita no primeiro ano do reinado de Nabonido, isto é, 555 a.C., conforme comprovado pela Nabon. nº 18 analisada anteriormente. A inscrição afirma que o templo do deus Sin jaz em ruínas por 54 anos, e a inscrição real Nabon. nº 24, que será objeto de análise no próximo artigo, esclarece que o templo do deus Sin foi destruído no 16º ano do reinado de Nabopolassar. Se a destruição de Jerusalém ocorreu em 607 a.C., obrigatoriamente o recuo de 20 anos faz que o primeiro ano de Nabopolassar seja 645 a.C., e, naturalmente, o seu 16º ano seria 629 a.C. (645 -16). Porém, de 629 até 555 a.C. passam-se 74 anos e não 54, como afirma a inscrição real. Por outro lado, se aceitarmos os números dos historiadores clássicos, que colocam o primeiro ano de Nabopolassar em 625 a.C., o 16º ano desse rei passa a ser 609 a.C., e esse ano está separado de 555 a.C. por justamente 54 anos, como diz a Nabon. nº 8.
O outro lado
Até a data da publicação deste artigo, a Torre de Vigia nunca se manifestou sobre as inscrições reais Nabon. nº 18 e Nabon nº 8.
Nota: Esta postagem foi editado em 15 de janeiro de 2023. Na primeira versão, foi adotada a longitude de 45º25'L para Babilônia, enquanto um número mais preciso é 44º25'L. Os cálculos foram refeitas e a lista de eclipse foi atualizada de 27 para 28, mas a argumentação permanece válida.
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