Quando se quer ter certeza sobre o que aconteceu em uma época histórica mais antiga, a coisa correta a fazer é acessar registros da época, feito por pessoas que viveram na mesma época dos acontecimentos ou bem próximo a eles, ou acessar documentos produzidos por quem teve acesso aos registros da época. É evidente que testemunhos de terceira mão, feitos por pessoas que viveram séculos depois dos eventos, não podem ser tomados com a mesma confiabilidade, especialmente se não se tem certeza sobre se usaram rigorosos métodos de pesquisa.
Esse último caso descreve bem a situação do sacerdote babilônico Beroso e do astrônomo e matemático grego Cláudio Ptolomeu; eles fizeram registros dos acontecimentos da Babilônia antiga, mas a confiabilidade do que escreveram não pode ser assegurada por si só.
Além dos registros de Beroso e Ptolomeu, há ainda dois tipos de registros de terceira mão que também servem ao nosso propósito aqui; são eles: as crônicas babilônicas e as listas de reis. Diferente dos registros de Beroso e Ptolomeu, as crônicas e listas de reis são inscrições escavadas, são achados arqueológicos da antiga Babilônia, embora se trate de cópias posteriores de registros antigos. Ao passo que crônicas são relatos resumidos de eventos históricos, as listas de reis, como o nome diz, é uma lista de reis com duração de seus respectivos reinados. Foram descobertas várias crônicas babilônicas, que estão agora guardadas no Museu Britânico; em homenagem ao museu, foram nomeadas BM (British Museum) com acréscimo de um número que as individualizam. Sobre listas de reis, também existem várias, que cobrem diversos reinados da Assíria e Babilônia, ou parte deles, e alcançam até o período dos reis persas e macedônios.
Beroso e Ptolomeu.
Quando se coloca lado a lado as listas de reis catalogadas por Beroso e Ptolomeu, verifica-se que elas combinam quase que em todos os detalhes. Não é possível afirmar que Ptolomeu, que viveu uns 250 anos depois de Beroso, teve acesso às informações juntadas pelo sacerdote grego; o mais provável, segundo alguns historiadores, é que ambos independentemente tiveram acesso a registros antigos, como crônicas babilônicas e listas de reis, que também são objeto de análise neste artigo.
A soma dos anos de reinados apresentada pelas listas de Beroso e Ptolomeu para os reis da era neobabilônica é de 87 anos - uma informação que já analisamos no artigo anterior. Considerando que 539 a.C. foi o último ano do reinado de Nabonido, isso coloca o primeiro ano de Nabopolassar em 625 a.C. (538 + 87) e o primeiro ano de Nabucodonosor em 604 a.C. (625 - 21) e, consequentemente, o seu 18º ano em 587 a.C. Beroso deu nove meses para o reinado de Labashi-Marduque, mas isso é considerado um erro; historiadores modernos acreditam que ele reinou por três meses ou menos, e o seu pouco tempo de reinado pode ser contado como parte do 4º ano do reinado de Neriglissar, ou como parte do período de ascensão de Nabonido. Assim o faz Ptolomeu, que omite o nome de Labashi-Marduque e atribui 4 anos de reinado para Neriglissar.
Listas de Reis
Referente às listas de reis, há uma que é especial para o nosso estudo; trata-se da Lista de Reis de Uruque, a única que abrange os reis da era neobabilônica. Essa lista confirma todos os números de Ptolomeu, e é mais específica ao dizer que Neriglissar reinou por três anos e oito meses, o que sobra três meses para o reinado de Labashi-Marduque. Como é evidente, essa lista de reis coloca o primeiro ano de Nabucodonosor em 604 a.C. e seu 18º ano aponta para 587 a.C., como fazem os registros de Beroso e Ptolomeu.
Crônicas babilônicas
Dentre as crônicas babilônicas, numeradas de 1 a 7, as de número 2 a 7 abrangem a era neobabilônica; elas narram eventos de boa parte do período em análise e são úteis em razão de confirmar detalhes que já sabemos, conforme vimos nos registros de Ptolomeu e na Lista de reis de Uruque. Um dos principais argumentos da Torre em defesa de sua cronologia é que não se pode ter certeza se os reis conhecidos da era neobabilônica reinaram apenas pelo período que lhes é atribuído por Beroso e Ptolomeu. A esse respeito, as crônicas de número 5 e 7 são importantes porque, referente a Nabopolassar e a Nabonido, os eventos narrados sobre esses reis não vão além do 21º e 17º ano, respectivamente.
A crônica de número 5 (BM 21946) é notável ainda por um segundo motivo: ela afirma que Nabucodonosor sucedeu a seu pai Nabopolassar, o que contraria um segundo argumento da Torre de Vigia, isto é, que existe a possibilidade de que algum rei ainda desconhecido pode ter governado entre um e outro rei conhecido; pelo menos no que tange a Nabopolassar e Nabucodonosor, esta crónica enfraquece bastante o argumento.
Por vinte e um anos Nabopolassar governou Babilônia. No dia oito do mês de ab ele morreu. No mês de elul Nabucodonosor (II) retornou a Babilônia e no primeiro dia do mês ele ascendeu ao trono real em Babilônia. (Os Tempos dos Gentios Reconsiderados, página 120).
Para que a destruição de Jerusalém tenha ocorrido em 607 a.C., como requer a cronologia da Torre de Vigia, 20 anos precisa ser acrescentados aos 66 anos de reinados que começa com Nabucodonosor e termina com Nabonido. Esses 20 anos podem ser acrescentados (1) com a descoberta de um ou mais reis até agora desconhecidos, (2) com a constatação de que um ou mais reis reinou por mais tempo do que agora se sabe, ou (3) por uma combinação das duas opções anteriores.
No que se refere à segunda opção, a crônica de número 7 (BM 35382) traz uma informação que torna impossível que seja acrescentado 20 anos ao reinado de Nabonido. Ela declara que, no sexto ano do reinado de Nabonido, Ciro conquistou a Média. Como se sabe que Ciro morreu em 530 a.C., depois de um reinado de 29 anos, deduz-se que ele subiu ao trono em 559 a.C. Com os números que temos até agora, com base nos registros de Ptolomeu e na Lista de Reis de Uruque, sabemos que Nabonido reinou até seu 17º ano (17 anos incompletos); se seu último ano de reinado foi em 539 a.C., então seu primeiro ano foi 555 a.C. (539 +17) e isso coloca seu sexto ano de reinado em 550 a.C (seis anos incompletos). Visto que Ciro começou a reinar em 559 a.C.,- e ele não podia conquistar a Média antes de subir ao trono -, o sexto ano de Nabonido pode ser recuado para no máximo 559 a.C., e, consequentemente, seu primeiro ano não pode recuar para além de 564 a.C. Isso é, portanto, um recuo de apenas nove anos, muito distante dos 20 anos exigidos pela cronologia da Torre de Vigia. Mas, à medida que forem apresentadas mais evidências, verificaremos que nem mesmo um ano pode ser recuado.
O outro lado
Como escrevi aqui, esta é apenas a primeira evidência de sete que serão apresentadas ao longo desta parte, que chamo de cronologia relativa e, como enfatizei nos parágrafos anteriores, esta primeira evidência é bastante frágil porque se trata de testemunhos de terceira mão, que não foram escritos diretamente por pessoas contemporâneas aos acontecimentos relatados. Talvez por isso, por ser uma evidência bem frágil, é a mais atacada pela Torre de Vigia.
Sobre Beroso e Ptolomeu
No verbete Cronologia da obra Estudo Perspicaz das Escrituras alista-se dez temas principais; o tema Cronologia Babilônica dedica um subtema a Beroso, que se resume em desacreditar os seus escritos, e o faz com motivos válidos, apesar de que os registros dele já foram confirmados vez após vez por documentos contemporâneos.
Quando o verbete trata dos escritos de Ptolomeu, sob tema Cálculos Astronômicos, dedica-se a desacreditar as anotações astronômicas de Ptolomeu, e sem dizer porque o faz. As anotações astronômicas eram datadas com nomes de reis e a duração dos seus respectivos reinados. Quando se somam esses anos, tem-se que o ano de 587 a.C. coincide com o 18º de Nabucodonosor e muito provavelmente essa é a razão de seus registros serem intensamente atacados pela Torre de Vigia. Claro que, como os registros astronômicos de Ptolomeu referente ao período neobabilônico podem ser cópias de registros anteriores, não é seguro dar-lhes crédito incondicional. Mas não deixa de ser notável que, assim como os registros de Beroso, os registros dele também são provados corretos pelos registros feitos na época dos acontecimentos na antiga Babilônia.
Ptolomeu também foi assunto no livro Venha o Teu Reino, de 1981, que dedicou umas poucas páginas ao tema cronologia, numa tentativa de desacreditar as evidências apresentadas ao Corpo Governante alguns anos antes por Carl Olof Jonsson - as evidências que viriam a ser o livro Os Tempos dos Gentios Reconsiderados. Um único parágrafo foi dedicado a Ptolomeu e a última frase parece querer dizer que os escritos dele não merecem crédito porque podem ser apenas cópias de Beroso, que viveu uns 250 anos antes.
No artigo da Sentinela de outubro de 2011 foram escritos 31 parágrafos e mais de um terço foram dedicados a mostrar que Beroso e Ptolomeu não merecem crédito. Como escrevi antes, os números de Beroso e Ptolomeu não são originais, foram escritos séculos depois dos eventos e precisam ser vistos com reserva, mas também escrevi que os historiadores não dependem mais deles no que tange à cronologia do período neobabilônico. No entanto, em 1972, a Torre de Vigia chegou a afirmar que a data dos historiadores para a destruição de Jerusalém depende “primariamente” dos registros de Ptolomeu; e tão recente como em 2011 fez-se uma declaração parecida, igualmente incorreta:
A lista de reis feita por Ptolomeu é considerada a espinha dorsal da cronologia da história antiga, incluindo o período neobabilônico (A Sentinela de 1 de outubro de 2011, página 30).
Sobre a Lista de Reis de Uruque
A Lista de Reis de Uruque apareceu na literatura da Torre de Vigia pela primeira vez em 2011. E não devemos ser precipitados e concluir que foi um tiro no pé porque mostrou aos leitores Testemunhas que ela apoia os números de Beroso e Ptolomeu. A revista simplesmente não citou os números; preferiu mostrar que ela cita alguns reis que Ptolomeu não cita, como Labashi-Marduque; argumenta que, se Ptolomeu comprovadamente omitiu alguns reis, ele possivelmente pode ter omitido outros e que esses, se um dia forem descobertos, podem fornecer os 20 anos de sua cronologia e fixar 607 a. C. como data da destruição de Jerusalém (veja uma comparação com os números de Beroso e Ptolomeu)..
Sobre as crônicas babilônicas
Na obra estudo Perspicaz das Escrituras, um subtema é dedicado a enfraquecer a confiança que se pode depositar nas crônicas babilônicas. Em nenhum momento diz-se aos leitores quais são as cifras ou números que não merecem crédito, mas a declaração abaixo deixa explícito porque os números são rejeitados, isto é, porque a duração dos reinados não somam 70 anos, como exige a cronologia da religião.
Tanto a falta de registros históricos contemporâneos como a facilidade com que dados podem ser alterados, definitivamente admitem a possibilidade de um ou mais dos governantes neobabilônicos terem tido um reinado mais longo do que mostram os algarismos tradicionais (Estudo Perspicaz das Escrituras, verbete cronologia)
A declaração ainda é notável por um segundo motivo; afirma-se que faltam “registros históricos contemporâneos" e isso não é verdade. O próximo artigo tratará das “inscrições reais”, que são registros contemporâneos aos acontecimentos narrados, e esses documentos já podiam ser acessados muito antes da escrita do verbete cronologia.
Na Sentinela de novembro de 2011 chamou-se a atenção para o fato de que as crônicas cobrem apenas 35 anos do período neobabilônico, e isso é realmente um problema (Veja uma imagem; as anotações em azul e roxo foram feitas por mim); no entanto, a revista deixou de reconhecer que pelo menos duas crônicas merecem destaque porque confirmam a duração dos reinados de Nabopolassar e Nabonido, conforme informações apresentadas por Beroso e Ptolomeu. Além disso, a crônica BM 21946 elimina a possibilidade de ter havido um ou mais reis que tenha reinado entre Nabopolassar e Nabucodonosor. Apesar de expressamente dizer que as crônicas babilônicas não merecem crédito, a Torre de Vigia dá muito destaque à crônica BM 35382, conhecida como Crônica de Nabonido - a mesma crônica que limita o reinado de Nabonido ao seu 17º ano.
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