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Evidência prosopográfica

A prosopografia (da palavra grega prósopon, que significa “rosto, pessoa”) pode ser definida como “o estudo das biografias, especialmente de indivíduos unidos por relações familiares, econômicas, sociais, ou políticas”.

Uma vez que os nomes de muitos indivíduos freqüentemente se repetem nos documentos comerciais e administrativos — em alguns casos centenas de vezes por todo o período neobabilônico — os estudiosos geralmente aplicam o método prosopográfico em sua análise destes textos. Tal abordagem não só contribui para a compreensão da estrutura da sociedade neobabilônica e da vida nela, como também provê evidência interna adicional em apoio da cronologia estabelecida para o período (Os Tempos dos Gentios Reconsiderados, páginas 142, 143).

Que informações detalhadas sobre pessoas possibilitam medir a duração de um determinado período é exemplificada pela própria Torre de Vigia, conforme a leitura que faz de dados bíblicos sobre os patriarcas. O livro de Êxodo passa a ideia de que os israelitas foram escravos no Egito por 430 anos; no entanto, ao examinar dados prosopográficos sobre os patriarcas, a Torre de Vigia chega à conclusão que a permanência dos israelitas no Egito foi de apenas 215 anos.

Não existe nos registros babilônicos uma genealogia com tempos contados em idades tal como o caso dos patriarcas bíblicos; ainda assim, é possível determinar a duração do período neobabilônico por se rastrear atividades de famílias e de indivíduos. Essa tarefa é facilitada pela datação fornecida nos documentos, conforme visto no artigo anterior.

A casa comercial de Egibi

Trata-se de uma empresa comercial que foi rastreada por dezenas de anos pelo período neobabilônico.

Da empresa Filhos de Egibi nós possuímos tão grande abundância de documentos, que podemos rastrear quase todas as transações comerciais e experiências pessoais de seus dirigentes, desde a época de Nabucodonosor até a época de Dario I (Bruno Meissner, conforme citado no livro Os Tempos dos Gentios Reconsiderados, páginas 143, 144).

Os documentos mais antigos são datados do 3º ano do reinado de Nabucodonosor e uma pessoa de nome Sula assina como dirigente; são encontrados documentos com seu nome até o 23º ano do rei babilônio, perfazendo um total de 20 anos. Após sua morte, a empresa passa a ser dirigida por seu filho Nabu-ahê-idina, que assina documentos por 38 anos, até o 12º ano de Nabonido; então é sucedido por seu filho ti-Marduque-balatu, que dirige a empresa por 23 anos, até o 1º ano do reinado de Dario I, isto é, até 521 a.C. A soma desses períodos (20 + 38 + 23) é de 81 anos. Se recuarmos no tempo 81 anos a partir de 521 a.C. (521 + 81 = 602), determinamos que o ano de 602 a.C. corresponde ao 3º ano de Nabucodonosor como rei de Babilônia. Logo, seu 1º ano foi 604 a.C. - e isso, logicamente, aponta para 587 a.C. como seu 18º ano de reinado (Os Tempos dos Gentios Reconsiderados, página 145).

Os próximos quatro casos envolvem discussões sobre a expectativa de vida no período neobabilônico. Levando em conta que a cronologia deste período está correta, isto é, que nenhum rei reinou mais do que se sabe, e nenhum outro nome de rei ainda está para surgir, pode-se rastrear os registros de algumas pessoas e verificar se é razoável esticar em 20 anos o período neobabilônico para acomodar a cronologia da Torre de Vigia.

O caso de Adade-Gupi, a mãe de Nabonido

A mãe de Nabonido já foi assunto em um artigo anterior. Em uma inscrição real, ela declara que nasceu no 20º ano do reinado do rei assírio Assurbanipal, que reinou por 42 anos; e o texto é datado do 9º ano do reinado de Nabonido. O primeiro ano do reinado de Assurbanipal foi 668 a.C. e isso coloca seu 20º ano em 649 a.C. Isso significa que ela viveu por 22 anos sob o reinado de Assurbanipal. Após a morte do rei assírio, o filho dele Assur-etil-ili assumiu o reino e governou por três anos, mas nesse ínterim, talvez depois de um ano de reinado, Nabopolassar passou a reinar em Babilônia e, desse tempo em diante, a idade de Adade-Gupi pode ser obtida pela soma dos reinados dos reis babilônios até o 9º ano de Nabonido.

Assurbanipal - 22 anos
Assur-etil-ili - 1 ano
Nabopolassar - 21 anos
Evil-Merodaque - 2 anos
Neriglissar - 4 anos
Nabonido - 9 anos.

A soma dos períodos acima é de 102 anos. Essa seria a idade de Adade-Gupi por ocasião de sua morte, no 9º ano do reinado de Nabonido.

O que aconteceria à idade dela se tivéssemos de acrescentar vinte anos à era neobabilônica? Isto necessariamente aumentaria a idade de Adade-Gupi para 121 ou 122 anos. A única maneira de evitar esta conseqüência seria acrescentar os vinte anos extras ao reinado de seu filho sobrevivente, Nabonido, após a morte dela, fazendo o reinado dele ser de trinta e sete anos, em vez de dezessete, algo que os documentos contemporâneos simplesmente não nos permitem fazer (Os Tempos dos Gentios Reconsiderados, página 147).

O caso de Apla, filho de Bel-idina

Apla foi um escriba da casa comercial de Egibi. Seu nome aparece pela primeira vez em registros datados do 28º ano do reinado de Nabucodonosor, que corresponde ao ano de 577 a.C. Seu nome volta a aparecer em muitos textos nos anos seguintes e abrange os reinados de Evil-Merodaque, Neriglissar, Nabonido, Ciro, Cambises e até Dario I. O último documento datado com o seu nome é do 13º ano do reinado de Dario I, correspondente ao ano de 509 a.C. Esses dados nos permitem atribuir uma carreira profissional de 68 anos para o filho de Bel-idina.

Ele deveria ter, pelo menos, vinte anos quando se tornou escriba. Mesmo se presumirmos que Apla morreu exatamente no mesmo ano em que se faz referência a ele pela última vez ou logo em seguida, ele deve ter vivido aproximadamente 90 anos (Assiriologista russo M. A. Dandamaev, conforme citado em Os Tempos dos Gentios Reconsiderados, página 148).

Mas se permitirmos que seja feito o acréscimo de vinte anos à era neobabilônica, não só aumentaríamos a idade de Apla para 110 anos ou mais, como também seríamos obrigados a concluir que nessa idade avançada ele ainda estava ativo como escriba (Os Tempos dos Gentios Reconsiderados, página 148).

O caso da familia Nur-Sin

Idina-Marduque e sua esposa Ina-Esagila-ramat pertencem a uma grande família de comerciantes, a família Nur-Sin. O nome de Idina-Marduque aparece pela primeira vez como diretor de suas atividades comerciais em documentos datados do 28º ano de Nabucodonosor (577 a.C); os últimos registros com seu nome são do 3º ano de Cambises II, que corresponde ao ano de 527 a.C., e há indicações de que ele faleceu pouco antes do 5º ano de Dario I, em 517 a.C.

Se presumirmos que ele tinha apenas vinte anos quando apareceu pela primeira vez como diretor, ele teria cerca de oitenta anos quando morreu (Os Tempos dos Gentios Reconsiderados, página 149).

Ina-Esagila-ramat já era casada quando seu nome aparece pela primeira vez em documentos datados do 34º ano de Nabucodonosor (571 a.C.), o que nos leva a crer que ela tinha pelo menos uns 20 anos por aquela ocasião. Ela sobreviveu à morte de seu marido e continuou a administrar os negócios da família até o 15º ano de Dario I, em 507 a.C., quando tinha por volta de 84 anos de idade.

Novamente, se acrescentássemos vinte anos à era neobabilônica, aumentaríamos a idade de Idina-Marduque para aproximadamente 100 anos e a idade de Ina-Esagila-ramat para no mínimo 104 anos. Seríamos também forçados a defender que ela, a esta idade, ainda estava envolvida ativamente nos negócios (Os Tempos dos Gentios Reconsiderados, página 149).


O caso do profeta Daniel

A Bíblia também fornece alguns exemplos internos. No ano de ascensão de Nabucodonosor (605 A.E.C.), Daniel, então um jovem de talvez 15-20 anos, foi trazido para Babilônia (Daniel 1:1, 4, 6). Ele serviu na corte babilônica até depois do fim do período neobabilônico, estando ainda vivo no terceiro ano de Ciro, em 536/35 A.E.C. (Daniel 1:21; 10:1). Nessa época ele deveria ter quase noventa anos de idade. Se outros vinte anos fossem acrescentados a este período, Daniel teria quase 110 anos (Os Tempos dos Gentios Reconsiderados, página 149, 150). 

É realmente provável que durante o período neobabilônico as pessoas freqüentemente atingissem idades de 100, 110 ou até mesmo 120 anos? [...] Considerando-se estes casos já apresentados de vida excepcionalmente longa, podemos apropriadamente perguntar: Temos qualquer razão para crer que o período de vida das pessoas daquela época superasse o das pessoas de hoje? O assiriologista russo M. A. Dandamaev examinou o período de vida das pessoas em Babilônia do sétimo ao quarto século A.E.C., usando dezenas de milhares de textos comerciais e administrativos como base para sua pesquisa. A conclusão dele é que o período de vida das pessoas daquela época não era diferente do de agora. Em sua exposição, Dandamaev faz referência ao Salmo 90:10: “Os anos de nossa vida chegam a setenta, ou a oitenta para os que têm mais vigor” (NVI). Estas palavras eram tão verdadeiras na era neobabilônica como são hoje (Os Tempos dos Gentios Reconsiderados, página 150).

O outro lado

Em parte mediante o uso de dados prosopográficos fornecidos pela Bíblia, a Torre de Vigia calcula em 4026 anos a duração do tempo que se passou desde Adão até o nascimento de Jesus Cristo. Esses 4026 anos, naturalmente, já estão inflados pelos 20 anos adicionais da cronologia que adota para o período neobabilônico. As evidências prosopográficas aqui apresentadas, portanto, são completamente ignoradas.

Referente ao profeta Daniel, a Torre de Vigia faz uma releitura de Daniel 1 e conclui que Nabucodonosor não levou cativos para Babilônia em sua primeira excursão pela Palestina, que a organização religiosa calcula que foi nos anos de 625 e 624 a.C., visto que recua em 20 anos a ascensão de Nabucodonosor como rei de Babilônia. Em vez disso, ela entende que a primeira leva de escravos judeus para Babilônia ocorreu uns oito anos depois, no final do reinado de Jeoiaquim, quando seu filho Joaquim foi também levado cativo e Zedequias empossado como novo rei de Judá. Nos cálculos da Torre de Vigia, isso ocorreu no ano de 618 a.C. Se Daniel foi levado cativo por essa ocasião, e se estimarmos sua idade em 20 anos, ele teria quase 100 anos por ocasião da queda de Babilônia. Uma exposição detalhada dos argumentos que contrariam o entendimento da Torre de Vigia pode ser conferida no artigo Como ler Daniel 1.


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Sumário

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